domingo, 6 de abril de 2008

A sociedade e o mal

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Uma semana termina e outra se inicia com um país em comoção com o caso da pequena Isabella, morta no sábado passado.

Mas as discussões em torno de casos chocantes sempre acabam nos pilares da sociedade. Se é um crime, a culpa é do Estado, da classe-média, assim como é um roubo. Caso de um acidente aéreo, os culpados são as companhias ou a fiscalização federal. Mas nesse caso, a culpa é simplesmente do ser humano.

Peritos investigam se Isabella Nardoni não teria caído do sexto andar, mas colocada no jardim do prédio onde mora seu pai, a madrasta e dois filhos - o de 4 anos pode ser intimado à depôr, segundo Veja Online -, o que reforça tese de que a garota de 5 anos foi assassinada pelo pai e pala madrasta. Ao sair da delegacia, onde prestou depoimento, a mãe de Isabella diz apenas querer justiça.

Justiça dos homens, que no Brasil, como sabemos, é tardia, falha e rasa.

Na mídia, o assunto dividiu as atenções com a política nacional, mas foi primordial.

Nas capas de Veja e Época, as duas maiores revistas semanais do país, um mesmo assunto. Uma - de Época - mais emotiva, a de Veja, filosófica.

Nas edições de Fantástico e Domingo Espetacular, destaque. No segundo, a estréia de Roberto Cabrini em mais uma de suas reportagns investigativas. No Fantástico, entrevistas: ao vivo, com a defesa e a acusação, e por telefone, Patrícia Poeta falou com Ana Carolina Oliveira, mãe de Isabella.

Nas edições de domingo dos jornais paulistas O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo, discussão e alarme sobre notícia de que Isabella foi espancada, segundo os médicos.

Na Folha de S.Paulo - que perdeu seu Ombudsman, sem contrato renovado -, uma reportagem que foi ao cerne da família, e vasculhou a vida de Alexandre Nardoni e sua esposa como pai e madrasta de Isabella.

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A baixo o texto do jornalista Vinícius Queiroz Galvão:

Ciúme marcava relação de pai e madrasta de Isabella

Parentes da mãe da menina dizem que Alexandre era um pai dedicado e afetuoso e que estão chocados com a morte de garota de 5 anos

Colegas de faculdade contam que casal tem um longo histórico de idas e vindas

VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

Foi o vestibular de direito, mais precisamente o das Faculdades Integradas de Guarulhos (na Grande São Paulo), que cruzou as vidas de Alexandre Alves Nardoni, 29, e Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, 24. O ano era o de 2002, e o casal se matriculava no primeiro semestre acadêmico, ela pela manhã, ele à noite.
Em abril daquele ano, a menina Isabella, morta no último dia 29 de março, nascia de um romance adolescente de três anos entre Alexandre e Ana Carolina Oliveira, que à época tinha 17. A relação surgiu à revelia dos pais dela.
Segundo afirmam vizinhos e familiares, Alexandre não quis oficializar o relacionamento após a gravidez. Nunca se casou com a primeira Ana Carolina, tampouco viveu junto com ela. Mas o nascimento da criança concretizou a relação paternal.
Embora não tivesse autonomia financeira para sustentar Isabella -o pai, o advogado tributarista Antônio Nardoni, pagava a pensão de R$ 250 a Isabella e foi quem comprou dois apartamentos de R$ 250 mil no edifício onde a menina morreu, na Vila Mazzei-, Alexandre era um pai dedicado e afetuoso, segundo diziam parentes da mãe da menina na missa de sétimo dia, na sexta passada.
"Ainda não acreditamos. Estamos tão chocados quanto a opinião pública. Ele era um pai maravilhoso", afirmou Carolina, uma prima da mãe.
Presos preventivamente desde quinta-feira, Alexandre e Anna Carolina dizem estar sendo injustamente acusados da morte de Isabella e afirmam que "a verdade prevalecerá".
Colegas de faculdade de Alexandre e Anna Carolina Jatobá, a madrasta, dizem que o casal tem um longo histórico de idas e vindas em seu relacionamento, marcado por ciúmes da nova mulher em relação à mãe de Isabella e à própria menina, o que é confirmado por parentes e vizinhos da rua Paulo César, onde o casal morava antes de se mudar para o apartamento novo na rua Santa Leocádia, cena do crime.
Mais uma vez segundo vizinhos, Alexandre e Ana Carolina, a mãe, já não tinham mais nada quando surgiu o romance com Anna Carolina, a madrasta. Ela teria engravidado logo no início da relação por supostamente sentir que a atenção do marido era dividida com Isabella, a menina.
"Quando viajavam, Anna Carolina, a Jatobá, não queria que Isabella ligasse para a mãe", conta a vendedora Kassy Navarro, vizinha de casa e que também trabalha num comércio que fica ao lado da loja de um dos avós da menina, até a última sexta fechada por luto.
Segundo moradores da rua onde vive Antônio, pai de Alexandre, a família é reservada, mas quando Alexandre os visitava com a menina, os avós a recebiam no portão, com alegria.
Já na casa da mãe de Isabella, Nardoni não costumava entrar. Em dias de visita, aguardava no carro enquanto a atual Anna Carolina pegava a menina.
Segundo vizinhos do antigo prédio, o casal era conhecido por brigas no apartamento onde moravam até 2007.
Alexandre formou-se em direito em 2006, depois dos cinco anos regulares do curso. Na OAB, ainda tem registro de estagiário, cuja anuidade de R$ 227,85 parcelou em nove vezes no ano passado. No último dia 9 de janeiro, renovou a licença, mas desta vez pagou à vista. Nunca prestou exame para advogado da Ordem.
Já Anna Carolina, a madrasta, abandonou o curso de direito ao fim do segundo ano, em 2004. No ano seguinte foi considerada desistente e perdeu o vínculo com a faculdade. Voltou a prestar vestibular neste ano, passou, mas, como não fez a matrícula, perdeu a vaga.
"[Alexandre] Foi um aluno normal, era assíduo, não faltava às aulas, cumpria as tarefas, interagia com todos. Mas não era de muitas palavras", diz a professora de direito financeiro e tributário Ossanna Chememian Tolmajian.
Segundo conta uma colega, ele se destacava na classe. Além de ser extremamente sociável e cortês, tinha uma condição de vida melhor que a do restante da turma.
Durante os anos de direito, Alexandre trabalhou no escritório do pai, advogado tributarista formado em 1993 na mesma faculdade. Anna Carolina Jatobá, diz a mesma colega, também tinha um bom padrão de vida. "Soube que eles terminaram e voltaram várias vezes", diz a aluna que pede para não ter o nome revelado.
Num dos últimos eventos promovidos pela turma da universidade, um churrasco antes da formatura, no ano de 2006, Alexandre teve de sair às pressas por conta do suposto ciúme de Anna, que teria ameaçado "dar um barraco" na frente de todos se não fossem embora, conta a mesma colega.

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Agora texto-depoimento da psicanalista, colunista da Folha, Rosely Sayão, sobre a sociedade do espetáculo:

DEPOIMENTO

A sociedade do espetáculo

ROSELY SAYÃO
COLUNISTA DA FOLHA

"BEM-VINDA à nossa comunidade!". Essa saudação me foi dirigida logo na porta de entrada da Paróquia Nossa Senhora da Candelária por uma senhora que trajava uma camiseta que a identificava como integrante do grupo deapoio da igreja.
Às 19h, o local já estava lotado de pessoas vestidas com simplicidade, muitas com camiseta com a foto de Isabella. Mal consegui dar dois passos para entrar e assistir à missa de sétimo dia dedicada a Isabella e outras cinco pessoas. O ar estava abafado apesar de, lá fora, estar frio. Fiquei na porta.
Perguntei à senhora que me recebera se ela conhecia a maioria das pessoas que lá chegara. Ela respondeu que não, que cerca de metade delas freqüenta a igreja, mas que, com o anúncio da missa pela TV, muitos vizinhos haviam ido para lá para, quem sabe, "ter a chance de aparecer nos canais de TV que estão aí" -jornalistas de rádio, emissoras de TV e da imprensa estavam lá em peso.
O padre começa a missa pontualmente, não sem antes exigir que todos da mídia se concentrassem no local reservado. Pelo lado de fora da igreja, cheguei à frente. De lá, vi o altar repleto com crianças que brincavam, correriam, conversavam. Pais as fotografavam.
Passei a sentir um mal-estar. Olhava para o público e não identificava expressões visíveis de dor, sofrimento, indignação, espanto. Foi mais resignação o que vi estampado nos rostos presentes. Alguns choram silenciosamente. Os demais cantam, batem palmas, oram.
A comunhão ocorre enquanto uma jornalista escova os cabelos e ensaia a entrada que fará ao vivo. Cerca de oito metros atrás dela está a mãe de Isabella, logo na primeira fila. Terminada a comunhão, a repórter celebra com a "câmara-woman" o êxito de sua participação no noticiário da emissora.
Assim que o padre termina a missa, todos os jornalistas com suas câmaras, microfones, telefones celulares ligados e luzes fortes correm e rodeiam a mãe de Isabella. De longe, me coloco no lugar dela, aprisionada pela sociedade do espetáculo a qualquer custo, e me entristeço.
Saio carregando meu mal-estar, minha tristeza e a idéia de que o sofrimento de nossa gente é tamanho que talvez nem seja possível sofrer mais quando ocorre uma tragédia. Tempos desumanos e de barbárie este que vivemos, não?

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