domingo, 6 de maio de 2007

Morada de Sol



Sexta-feira, um dia em que, salvas exceções de barzinhos espumantes, Araraquara é pacata. Mas aquele 4 de maio foi diferente. A morada recebia um filho iluminado por seu sol.
Evoé! era ouvido.
José Celso Martinez Corrêa nasceu na maternidade Gota de Leite – instituição, hoje, falida - num 30 de março do ano de 1937 e participou de uma geração de jovens muito curiosos e atentos à cultura.
Em meio a atribulações vividas na cidade, Zé Celso abandonou a morada para cursar direito no prestigiado Largo São Francisco na capital do estado – até hoje não obteve o diploma. Mas será que o jovem araraquarense abandonou a cidade ou foi obrigado à? Em meio a uma sociedade conservadora instalada naqueles idos tempos dos anos 1950, Zé Celso era um verdadeiro porra loca.
Muitas de suas loucuras foram relembradas na última sexta-feira, em encontro no SESC da cidade.

Na memória de um dos maiores artistas do Brasil, momentos de peraltices nos colégios que freqüentara. Lembrou dos tinteiros que ficavam sobre as mesas da sala de aula do Colégio Progresso que um dia tiveram por ele mergulhados chumaços de cabelo das tranças de uma colega de classe, e ainda das frustrações ao ver as grandes ceroulas das professoras, ao invés de outra coisa, refletidas em espelhos (propositalmente) colocados em baixo de suas mesas, e um dia que o colégio EEBA ficou lotado para uma aula sobre masturbação.
Boêmio, lembrou-se de uma casa noturna chamada Magestic, de prostitutas que incendiavam os próprios corpos por diversão e que, uma vez saíram vestindo luto com velas nas mãos encenando Maria Madalena em uma das procissões do centro escuro da cidade. Escândalo! E ainda o dia que viu a “intimidade” de uma mulher, amiga de outra com cara de macaca, tragando um cigarro.

Comentou sobre as famílias tradicionais Lupo – hoje grande exportadora de meias e cuecas- e a família turca dos Haddad. Riu quando soube que a Lupo mais bonita (uma família considerado por ele de feios) ainda continua casada com um Haddad.

Quase chorou ao saber que o Cinema Veneza havia se tornado templo da Igreja Universal e soltou: “Como diz Tônia Carrero, ‘crente não tem salvação...’”. Cinema que exibia fitas que o fazia chorar, se lembrou da primeira vez que um filme foi exibido no país sem legendas, era “Um corpo que cai”, e disse que para Hitchcock não era necessário tradução para se entender.

Em meio a tantas lembranças, um intervalo, mas o show continuou. Começava o bacanal, entrava em cena o Deus do vinho, Dionísio ou Baco. Resolveu abrir uma garrafa de vinho que já vinha com saca-rolhas, mas teve dificuldades para abri-la, uma pessoa da platéia foi até o palco para servir e reverenciar o dramaturgo que brindou desejando saúde com a presença da garrafa para que a fonte não secasse e a distribuiu pela platéia, não restou vinho para chegar até mim, numa platéia disputada. Disse que era messiânico em apenas um sentido (e não era pela encenação de Antônio Conselheiro), era no do vinho, o Messiânico, que segundo ele, perdeu a qualidade ao se popularizar.

Após o intervalo, falou sério (continuou). Tocou no assunto de uma peça de teatro, a mais importante, que dura 27 anos, o Teatro Oficina, expoente de maior importância no Brasil hoje, construído por ele e amigos dos tempos de USP. Falou da relação com o comunicador Sílvio Santos e com os empresários de seu grupo, o SS, que segundo Zé Celso lê-se “suástica, suástica”, o que representa o nazismo, que para ele hoje é o capitalismo.
Disse que os empresários do Grupo SS deveriam enxergar o Teatro Oficina, como vê Sílvio que pôs os pés no local este ano para entender do que se tratava, e em uma hora e meia apoiou o “empreendimento”. Mas ressaltou que não é obcecado, como definiu a revista Carta Capital, pelo apresentador. Acha o programa Silvio Santos uma chatice e que o Sistema Brasileiro de Televisão (o SBT...) está em decadência, mas que ganharia muito, caso se aliasse ao diretor teatral.
Sobre a Rede Globo, disse que a Vênus Platinada quer ser mais importante que os EUA e implantar a GLOBOLIZAÇÃO. Em encontro com a emissora, que na ocasião queria incentivar a produção teatral, ouviu de muitos artistas globais espantados: “O que você ta fazendo aqui?”.
A mãe de Zé Celso sempre o quis na Globo, e custava a entender porque o filho não estava entre as estrelas globais. Este jeito revolucionário sempre decepcionou sua mãe, muito amada pelo filho, que teve oportunidade de abrir o jogo em programa no canal global Canal Brasil.

Jeito revolucionário que resume as mudanças necessárias nas ações, e diz que o mundo está se encaminhando para o fim dos “ismos” (capitalismo, socialismo, comunismo) e que tudo passará a ser um grande carnaval, onde cada um poderá a ser o que quiser. Assim o quer.

José Celso Martinez Corrêa terminou o encontro de araraquarenses agradecendo e vendo o quanto é prestigiado, e amado pela cidade que o deu à luz. “Tive a possibilidade em vida de ser amado por minha cidade, hoje não preciso de mais nada”.

Pode não ser mais sua morada, mas a Morada do Sol, sempre o acolherá.

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